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Arquétipos, Mitos e Complexos - Quem criou Deus?
Publicado em: 14 de setembro de 2007, 11:29:11  -  Lido 5929 vez(es)



Alguns esclarecimentos sobre a confusão que se fazem com o uso popular detes termos, numa visão pós-junguiana:

Não existem "Arquétipos do Tarot", nem o "Arquétipo de Ísis", nem o "Arquétipo do Leão", nem outros absurdos esquisotéricos que ouvimos por aí. Arquétipos estão numa camada muito mais profunda e amorfa. Senão, não são mais Arquétipos, e sim mitos criados para que possamos lidar com eles dentro de uma referência cultural ou simbólica.

Se falam do conceito original, formulado por Jung (mas estuprado e distorcido por todos que quiseram dar um certo ar "científico" aos seus credos), o Arquétipo é quem cria os deuses. É como o buraco da forma de gelo. Não há, portanto, Arquétipo de Maria, nem de Pacha Mamma, nem de Ísis, nem de Lakshimi, nem da Deusa, nem da Imperatriz do tarot. Mas há um Arquétipo UNIVERSAL da Grande Mãe, algo sem forma, sem mito, que está presente no inconsciente coletivo da humanidade, e que fará qualquer povo de qualquer lugar, mesmo se isolado numa ilha ou planeta, daqui há algum tempo arrumar alguma deusa ou figura similar para preencher o buraco psíquico deixado por este arquétipo.

Um dos mais conhecidos é o do Herói, e explica - dentre mil outras coisas - o gosto de muitos por filmes de ação, o acompanhamento de olimpíadas e torneios, e até mesmo porque muito sujeito aparentemente normal e pacífico é possuído por um misto de curiosidade, hipnose e sangue na boca quando vê, num telão desses, algum vale-tudo, jiu jitsu ou luta de boxe.

Se Deus criou tudo, quem criou Deus?

Resposta junguiana óbvia: O Arquétipo.

A "encarnação" de um Arquétipo, seja em um deus, seja em uma carta de tarot, seja na parte do Todo que atribuimos a um signo zodiacal, a um personagem de uma saga de ficção, a um dos tipos do eneagrama, a um santo do catolicismo, não são mais ARQUÉTIPOS. São "mitos". No melhor do sentido da palavra, que não tem nem um pouco de ficcional (embora esteja presente na ficção).

Note também que Arquétipos são COLETIVOS. Necessariamente! A somatória de situações pessoais na lida, por exemplo, com o Arquétipo ou simbolismo do "Pai", do "Poder", são chamadas de Complexos.

Ou seja, PAI tem função simbólica que nos remete a regras, a herança, expectativa, falo, masculino, algum poder. Já o GRANDE PAI é um Arquétipo, algo que faz projetarmos um "pai" coletivo na figura de um grande Deus masculino que tudo vê, como é comum na religião ocidental (note que nao tem nada a ver com o Todo do Tao e de Bhraman). Cada pessoa pode ter uma relação diferente com essas idéias. Como, por exemplo, com o "PODER": Criado resistindo a uma ditadura militar em regime corrupto capitalista, numa noção de ética dos 70 e 80 que faria Delúbio, Valério e cia parecerem fichinha, minha geração certamente não reage ao conceito de "PODER" do mesmo modo que norte-americanos, que consideram a palavra positiva. Aqui, poderoso é pejorativo. Lá, vende mais o livro que usa "The Power Of..."

Isso são COMPLEXOS, ou seja, amontoados de experiências que permeiam nossos conceitos. Note que o termo não é negativo ou necessariamente patológico como no uso popular (complexado). Quando lidamos com o feminino, por exemplo, apenas em parte estamos lidando com a mulher ÚNICA de carne-osso-alma-sentimentos que temos à nossa frente. De certo modo, fazemos ela vestir o nosso complexo de feminino, de mãe, de Anima (este sim um arquétipo), de outros relacionamentos... E repetimos padrões sem perceber.

Mas não é certo dizer que estou projetando o meu Arquétipo de mãe, e muito menos o da Grande Mãe. Entretanto, a somatória coletiva de todos os Complexos, e dos conceitos inconscientes que o originaram, foram, aí sim, um grande Arquétipo inconsciente e coletivo universal. Ou, em efeito Tostines, por ele foi formado.

Aliás, vários termos hoje populares vêm da linguagem junguiana: Introvertido, Extrovertido, Complexos, Arquétipos, Inconsciente coletivo, Anima. Quase todos são usados de forma equivocada, não raro distorcidos para fins esquisotéricos e/ou comerciais. Pobre Jung, logo ele, tão acadêmico e preocupado com fundamentação... ;-)

INTROVERTIDO, por exemplo, na versão original de Jung. seria um "tipo psicológico" mais contemplativo, que percebe a realidade mais pela vivência interior, idéias e imaginação. Sendo ele mesmo um introvertido, dizia: "Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta!".

Caindo no uso popular, contudo, o termo "introvertido" parece hoje um pejorativo social, remetendo à timidez e inibição. Talvez uma sociedade neurótica e pragmática como a atual, ao privilegiar o consciente sobre o inconsciente e valorizar socialmente episódios maníacos, considere mesmo a "extroversão" o padrão "normal". No conceito original, entretanto, ela era apenas a característica de quem percebe a vida pelo exterior.

As SINCRONICIDADES e o inconsciente coletivo não tiveram melhor sorte: já foram usadas para dar "ar acadêmico" às mais questionáveis crendices, "terapias" e esquisoterismos. Certamente Jung estudo fenômenos que fogem à explicação do ego racional, entretanto seu conceito de sincronicidades apontava para coincidências significativas, reunidas por um substrato simbólico interpretável. Já o uso que muitos crédulos dão ao termo para justificar qualquer coincidência cotidiana ou procura delirante de padrões, como se o universo "ocorresse" para nós, e cada folha caída, relógio digital e placa de automóvel do trânsito estivessem ali apenas para nos dar mensagens, tem outro nome em psicologia: "delírio auto-referente", uma variação do de grandeza, e que terá mais chance de caracterizar "psicose" do que "individuação".

Voltando aos Arquétipos: Se deixarem de acreditar em um Deus, ele desaparece? Provavelmente sim. Mas o Arquétipo que o originou fará que sua função seja ocupada, em outra mitologia, por algum outro conceito substituto.

O filósofo espiritualista Alberto Cabral, fundador do CEFLE, costuma dizer que aqui na Terra há "reencarnações por arquétipos" (sic). O conceito é interessante, mas o uso do termo junguiano, não.

Na visão espiritualista dele, diferente do que o espiritismo prega, as pessoas não viriam reencarnar com seus parentes e situações de outrora, pois seria impossível em termos práticos, mas vestiriam encaranações similares, onde puderem ser encaixadas, para que vivam situações parecidas, as quais somadas fecham o cenário para que a pessoa encontre - ou supere - os complexos que precisaria, carmicamente, encontrar.

"Encaranação arquetípica" seria um erro conceitual, já que todos nós, querendo ou não, temos a presença de todos arquétipos da humanidade em nós. Quais mitos pessoais vamos viver, e como formaremos nossos complexos a partir dele, é uma outra questão. Ainda asism, a visão dele é um intermediário didático entre o espiritismo e a visão junguiana - que parece sugerir, em "Memórias, Sonhos e Reflexões", que vivenciamos e aperfeiçoamos, na consciência compactada, um pouco do Todo coletivo inconsciente e disperso.

Quem criou Deus? Essa é fácil:
O Homem, à sua imagem e semelhança.
Difícil mesmo é dizer quem Nos criou... ;-)

Láz
--
Lázaro Freire
lazarofreire@voadores.com.br


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