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Desconstrução 3/3 - Reintegrando Deus
Publicado em: 12 de setembro de 2007, 13:58:29  -  Lido 5930 vez(es)



É importante notarmos que falamos, nessa trilogia, de uma desconstrução evolutiva, que considera novas camadas existenciais. O termo desconstrução, que tanto usamos, talvez seja combatido devido ao seu uso no pós-modernismo, onde tendia a reduzir todas as camadas aos seus átomos materiais.

Ken Wilber critica fortemente este tipo ultrapassado de desconstrução reducionista ("não há nada mais antiquado do que o pós-moderno"), lembrando que se uma Teoria de Tudo que leve em consideração apenas o "cosmo" fìsico puder explicar a mente de Deus, provavelmente só o faria para quando Deus pensasse bobagens.

Resumo isso em minha crítica a uma neurociência excessivamente cognitivo-comportamental: "não se pode compreender o amor do poeta através da análise dos átomos de carbono da tinda deixada no papel".

Penso, portanto, que boa parte das críticas à desconstrução evolutiva são na verdade dirigidas à reducionista - parente do ceticismo, e contrária a um pensamento integral. O que defendemos, ao contrário, é uma desparafusar dos entraves antigos, mas de modo a permitir a inclusão de camadas transcendentes. De certo modo, é o que sempre ocorreu na história em todas as quebras de paradigmas, apenas agora teorizamos sobre sua estrutura.

A confusão permanece, com usos reducionistas dos novos paradigmas, e muita confusão. Até que alguém tem o insight do Leo, corretíssimo, de que mesmo além das novas camadas haverão outras camadas, novos mitos distantes e inexequíveis, o que torna - automaticamente - o que parecia um novo paradigma um mais um mito, novo; no lugar do que substitui.

O que pergunto, além do insight do Leo, é: Quem disse que ele deveria ser a verdade final?

Então, nesse momento, sei que venho de um mito, e irei para outro. E quem está além ou aquém encontra-se na mesma posição. Simplesmente não há chão, o fim da cebola JÁ É aqui, e a camada real também.

Deus, tudo e nada se fundem no Aqui-Agora e em você, e ao tomar a polúla vermelha, não há vazio para onde se possa correr!

A questão existencial da desconstrução (evolutiva, não confundir com o pós-moderno redutor e pragmático), então, é saber QUEM se sustentará por si, independente do mito que escolheu. Saber qual "espiritualidade" de quem aqui sobrevive no nada e no tudo, mesmo se não houver reencarnação, ego, planeta ou astral; ou mesmo se existir o capeta da versão do Edir. Note que isso independe de EM QUAL dos mitos que alguém
acredita, mas sim em COMO acredita, e vivencia o que crê. Em última análise, na transformação interna que a máscara adotada proporcional, a única que poderá sobreviver a qualquer mudança que inevitavelmente ocorrerá em nossa visão do mundo, do mí(s)tico e de Deus.

O que queremos saber, numa desconstrução evolutiva e não reducionista, é quem se ofende quando se questiona seu credo. Quem se leva a sério demais. Quem se prendeu em um modelo que só se sustenta na projeção externa de um credo ou esperança - quase sempre moldados previamente por outrém, e só prorrogáveis além da validade consciencial através de elaborados mecanismos (a meu ver vampirescos, mas no mínimo oportunistas) de uma estrutura de culpas, pecados, juramentos, proibições, segredos, filiações, disciplina, submissão hierárquica ou iniciações.

Não quero abolir o uso de máscaras, até porque não somos tão belos assim, e até a pele não deixa de ser uma. O que quero saber é quem mudou por dentro da máscara, e quem acreditou tanto na fantasia que lhe deram a ponto de agora ter perdido seu rosto, e agora não conseguir sequer tirá-la.

O que tento catalisar é permitir à própria pessoa perceber quem não mais usa sua máscara, mas sim é usado por ela, a ponto de ter perdido até a capacidade de perceber isso. Quem sequer questiona se a "verdade" que coloca na lista, e na própria vida e na dos demais é mesmo "imutável", ou pelo menos discernida; ou apenas uma repetição
aceita do credo sugerido por alguém.

Nessa altura da compreensão, nossos questionamentos e pesquisas - mesmo quando usam o recurso hermenêutico da ironia - não arrancam máscaras por "sadismo" ou inutilidade filosófica. Não vamos arrancar escalpos na sequência. Não somos adolescentes sem embasamento ou visão espiritual querendo destruir a boa "moral" (cristã ou não) que, pensam imutável, e que os trouxe até aqui. Não somos satanistas ou céticos nos divertindo em atirar pobres crentes no vazio sem fim. Não é por isso que se "desconstrói".

Se todos usamos máscaras, exceto talvez os loucos (únicos verdadeiros libertos, mas não só do que é ruim), que cada um ao menos reconheça a que tem. Que veja o que tem dentro, que conheça sua estrutura, não apenas a aparência. E que através dela - qualquer que seja ela - quem se expresse seja alguém maior, um Self, cuja essência remonta, ainda que como objetivo final, à experiência direta que chamamos de Deus.

Maya também é Brahman. O desejo de se livrar de todos os desejos também é um desejo, talvez o maior e mais arrogante deles.

Nesse sentido, acho curioso quando alguém teme perder o ego se não houver reencarnação. Ora, mas não dizem, os mesmos, que esse seria o objetivo final da iluminação? Ou será que o yogue "pensa" que, ao cessar os pensamentos e fundir-se com Deus, tornar-se-á um demiurgo, um Deus rival? Como pode uma fusão ao Todo excluir quem não se fundiu? Fusão não implica, necessariamente, em deixar o menor para se tornar-se parte de algo diferente e maior? Fusão não é, ao mesmo tempo, tentar ser Deus e passar a residir até no que discriminava como Satã?

Espiritualistas ou céticos, podemos ter no máximo certezas íntimas a partir da nossa percepção ou lembrança aqui do que vivenciamos brevemente acolá. No máximo, somos como um peixe, que deu um pequeno pulo além da água, e teoriza que a água é ilusória e densa, e que a verdadeira vida é voar no ar muito sutil. Ora, talvez o ar seja sua
morte, não sua verdadeira missão de vida; mas o que é garantido é que pouco conhecimento terá da terra sutil, vivendo preso ao mar. O que não anula sua certeza de existência e experiência, que é legítima; mas não promove sua explicação à realidade do que não conheceu. Mitos.

Nâo sabemos do transcendente, somos pequenos, temos medo de perder nosso ego, não sabemos se vamos acordar ou dormir. Não aceitamos sequer a possibilidade de sermos uma célula do Ser maior, mesmo tendo todos os dias a prova de que trilhões de células vivas e independentes vivendo e sendo "nós", para elas uma abstração, uma egrégora ou um Deus.

Em um cenário desse, o que nos resta são MITOS, uma elaboração da compreensão de arquétipos que, por definição, não sabemos delimitar.

Claro que temos que viver bem aqui, filosofia por si só não paga o aluguel, e a barriga "ilusória" da camada de Maya que percebemos é sempre a que mais dói. Mas faz diferença saber quem se sustenta por si. Quem não se leva a sério, evolui, e está aberto a transcender. Nesse sentido, talvez o parar seja desistir, e a vida um caminhar. Penso
sempre que "matar o ego", que tantos defendem sem sequer definí-lo, vivê-lo ou resolvê-lo; possa ser apenas desistir da oportunidade única da encarnação que tem. Um sinônimo filosófico para suicídio existencial, ainda que sobrevivam, alguns até acreditando em (um) Deus.

Enfim, transcender é incluir, e isso é impossível quando preso ao antigo. Proponho que saibamos ao menos o tamanho de nossa ignorância. Toda festa a fantasia tem um momento de retirar as máscaras, e o que proponho é que possamos retirar as nossas SE e QUANDO quisermos...

E, na medida do possível, sem nos "ofendermos" com o que vermos, e sem "assustarmos" ninguém.


--
Lázaro Freire
lazarofreire@voadores.com.br


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