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Normais, Bipolares, Esquizofrênicos... e Médiuns!
Publicado em: 12 de setembro de 2007, 13:06:37  -  Lido 5932 vez(es)



Esclarecimento dado em debate sobre normalidade X patologia, mediunidade X esquizofrenia e criatividade X patologia bipolar no Saindo Da Matrix (blog co-irmão da Voadores, de nosso moderador Acid Zero).


OBS: Conceitos parcialmente baseados em aulas de psicipatologia do psicanalista austríaco-brasileiro Marc Andre Keppe (criador da Transpsicanálise); em textos de Ken Wilber e Bergeret, além da própria visão espiritualista e clínica de Lázaro Freire (criador da Voadores).



> Bono:
> Acho que todo mundo que tem uma mente é bipolar e esquizofrênico.
> Esses são só nomes inventados para características inerentes da
> mente humana.


Com todo respeito, seu comentário carece de fundamento e conceituação. Mais aceitável seria dizer que vivemos em uma sociedade neurótica, que tende a criar indivíduos ídem, que por sua vez perpetuam suas patologias na sociedade futura que constituirão.

Ainda assim, o que o meio terapeutico chama de bipolaridade-2 (que atinge, estima-se, até 10% da população, dependendo do critério), bipolaridade-1 (próximo do que antes chamava-se psicose-maníaco-depressiva, talvez não mais que 2% da população) e wsquizofrenia típica (cerca de 1 a 2%, em geral em baixa renda) não são meras visões filosoficas ou preconceitos espirituais. Sâo doenças mesmo, caracterizáveis, com definição em termos de pensamentos e comportamentos (um dos critérios), monitoráveis por diagnóstico por imagem (PET Scan), cujas crises causam - no mínimo - perdas neuronais e prejuizos sociais. Mesmo quando seus portadores são aceitos, em alguns de seus aspectos, pela sociedade (que cultua alguns bipolares e esquizofrênicos, por exemplo, no meio artístico e religioso).

Discutir psicopatologia não é algo simples nem entre especialistas e acadêmicos. O que é doença? Onde, e na visão de quem? No mínimo, o debate precisa começar na definição do que venha a ser "normal", "saudável" e "natural", por exempo. É impossível falar a sério que há (ou não) o conceito de "doença" sem nunca ter questionado antes isso.

Depois, talvez precisemos estabelecer o que diferencie um comportamento normal, neurótico, borderline e psicótico. Há autores (seríssimos) que definem isso através de uma intensidade psíquica (Bergeret, por ex) variável (melancolia seria uma versão psicótica de uma neurose progressiva, por exemplo; e a psicose-maníaco-depressiva seria um agravamento do estado neurótico de mania, que por sua vez é um exagero do humor normal).

Já outros autores igualmente sérios optam pelo estrutural ou metapsicológico. Por ex, simplificando muito, psicose poderia ser um domínio exagerado do inconsciente; a neurose, do ego e consciente; e a normalidade uma busca do equilíbrio. Dentre outras possibilidades.

Mas há também definições mais pragmáticas, quantificáveis e exatas, as note-americanas (simbólico, visto o tipo de sociedade que constituiram, a qual já era duramente criticada por Freud desde o pré-guerra). Estes critérios, cognitivo-comportamentais, são os mais adotados atualmente (tempos de planos de saúde e consultas de 10 min, onde o paradigma biopsicosocial é apenas uma promessa "de ponta" na medicina), e estabelecem e quantificam os comportamentos e pensamentos de tudo o que sai da normalidade. É uma visão limitada, mas certamente é uma referência fácil do que é ou não ser, por exemplo, "depressivo" ou "narcisista". (Para mais detalhes, procure no Google por "DSM-IV").

Feita essa introdução, voltemos ao que disse publicamente aos bipolares que relataram seus casos aqui, o que me pareceu até mesmo uma sugestão de "não-tratamento":

"Acho que todo mundo que tem uma mente é bipolar e esquizofrênico. Esses são só nomes inventados para características inerentes da mente humana."

Não conseguir ver sentido, e não me acho exatamente um leigo: Atendo em psicanálise e terapias há alguns anos, percebo diferenças entre psicóticos, neuróticos e normais, fiz 3 anos de formação em psicanálise transpessoal, mais uns 5 de estudos de Jung, estou fazendo atualmente uma especialização de 18 meses especificamente em psicopatologias (com muito embasamento nas descobertas recentes das neurociências, e usando pelo menos TRÊS critérios reconhecidos mundialmente: DSM-IVTR, CID-10 e Bergeret), passei o fim de semana lendo um livro específico do Bergeret sobre Psicopatologias, cada ano e livro dedicado a esse estudo só me mostra que tenho MUITO a estudar (filosofia será o prósimo passo)... e sinceramente, eu ainda não tenho base para compreender a profundidade, sentido e intenção de seu comentário.

Um bom começo para conversarmos seria DEFINIRMOS do que seria "bipolaridade", "esquizofrenia", "neurose", "psicose", "patologia", "normal", "saudável" e "natural"; em sua visão. Podemos estar falando de coisas bem diferentes, especialmente quando usa num sentido de que "bipolaridade é uma coisa indefinível tal que todo mundo que tem mente tem". Se quer usar isso como conceito, significa que em seu sub-português particular, "esquizofrenia e bipolaridade" seriam sinônimos do que nós outros chamamos de "normal" (ou seja, o que ocorre significativa e representativamente na população). Nesse caso, não falamos da mesma coisa, e onde ouviu nós e qualquer outro dizendo "esquizofrenia e bipolaridade" = "normal", troque meu termo por OUTRA palavra interna sua (pode ser "X"), que para você signifique algo que NÂO seja saudável (X gera perdas na saude), que NÃO seja normal (X não ocorre em toda "norma" da população, X diferencia comportamentos e pensamentos de quem tem), e que traga prejuizos cognitivos, sociais, pessoais e/ou profissionais.

E se precisamos falar de NORMALIDADE, o que parece normal (na norma) em um contexto pode não ser em outro meio sóciocultural. Há credos, por exemplo, que pregam a esquizofrenia. Há bairros onde a norma é cultuar uma dose de (maior que a média) de narcisismo e exibicionismo (e nem sempre são os que tem mais dinheiro). Há religiões que promovem a culpa e a repressão. Há governos imperialistas que promovem o extremismo borderline a custa da paranóia. Há midias que promovem a mania e a excentricidade. Há comerciais que estimulam a compulsão. Há abordagens amorosas que são um convite a obsessão. E há segmentos científicos que promovem a neurose, o pragmatismo doentio e um ceticismo tal que no exagero exclui a possibilidade de vida inconsciente. E tudo isso pode ser diferente em outro tempo, em outra classe social, em outro nível de informação, em grupos com outros objetivos de vida... ou simplesmente em um meio similar, porém do outro lado do oceano.

Segundo Wilber, cada "meme" da dinâmica da espiral de Graves poderia ter, a partir de sua visão de mundo inerente, conceitos distintos para o que venha a ser adequado, moral ou aceitável. Isso implica, portanto, no que consideram "normal", e fatalmente no que cada uma chama de "doença mental". Um capitalista estereotipado se acha normal, mas é um doente para um ativista ecológico; e numa revisão do "Dança Com Lobos", ambos poderiam achar estranho o modo de vida de indígenas (e vice-versa). Se normal for o que ocorre na curva de Gauss (uma das visões possíveis de "normalidade"), a visão parcial de alguém de meme mais holístico perceberá (em seu meio) uma configuração biopsicosocial diferente do que é "normal", por exemplo, em cidadezinhas protestantes do interior dos EUA.

Homossexualidade, por exemplo, era visto como patologia até o CID-9, uma classificação anterior. Hoje em dia, claro, não é mais: É "normal" (ocorre significativamente na curva de Gauss, com estatísticas significativas e ampla aceitação social - por mais preconceitos que existam); é também "natural" (ocorre na natureza); e também "saudável" (não há dano à saúde por se amar alguém do mesmo sexo, e mesmo o ato deste amor ocorre também significativamente entre casais hetero). Note que nem por isso ocorre em 100% da população (espero que sobre pelo menos uma Eva hetero para mim). Note também que antes era patologia, e não dá para julgar o critério antigo pelo atual.

Mas mesmo com tanta coisa relativa, dá sim para conceituar BIPOLARIDADE e ESQUIZOFRENIA, e isso não é pejorativo, loucura ou rótulo de pessoas (algumas das resistências comuns à classificação, que se aceita sugeriria tratamento ou pelo menos conscientização). Isso porque esse debate que você propõe, já foi há muito feito, profundamente, com embasamento muito maior do que o de nós dois.

Um dos critérios mais aceitos para psicopatologia, portanto, é o de fazer uma descrição cognitivo-comportamental do que traz prejuizos sociais e pessoais, e/ou que sai da normalidade. O DSM-IV, já citado, é específico para casos mentais. Claro que a psique não é apenas comportamento e pensamento quantificável, revisões posteriores são necessárias, especialmente na sua "dinâmica" - mas certamente é um ponto de partida no diagnóstico diferencial.

Outro critério parecido é o da descrição geral de doenças da Organização Mundial de Saúde, o CID, atualmente na versão 10. É universal, usado em hospitais, e também contempla os casos psiquiátricos, neurológicos e afins (embora não seja especializado
neles). E não constam lá como doença por acaso: por exemplo, há variações de dopamina em cada caso esquizofrênico / psicótico (assim como em cada uso de drogas). O Esquizofrênico faz sua própria cabeça, quimicamente - e lhe asseguro que isso não é tão bom para a estrutura cerebral. E a bipolaridade pode levar a quadros bordeline (limítrofes à psicose) facilmente.

Outra ponto que PRECISA ser ressaltado responsavelmente é que esses distúrbios que você citou, sabemos hoje, geram danos cerebrais em cada ocorrência. Há PERDAS COGNITIVAS em cada episódio bipolar ou esquizofrênico. O surto maníaco não é só um "bom humor" ou "opção" de vida.

Acompanhei inúmeros casos em que a bipolaridade destruiu relacionamentos, provocou acidentes de carro, motivou traições, gastos desequilibrados, endividamentos, deixou crianças sem a presença de seus pais, demitiu pessoas, motivou brigas (e assassinatos), gerou suicídios (diretos ou indiretos), dentre outras consequências da variação de humor.



Portanto, respeito sua opinião, mas reduzir algo dessa gravidade à vala comum pode até ser mecanismo de defesa (se interessar, faça um teste em www.bipolaridade.com.br), mas precisa de esclarecimento público. Já vi bipolares inclusive se orgulhando dos "bipolares famosos". Existem, é claro, até porque o meio artístico valoriza algumas características maníacas. Bem tratados, porém, os tais "doentes famosos" produziriam muito mais, e talvez sem os defeitos e problemas gerados por chamarem a atenção mais para si do que para suas obras.

Bipolares músicos e palestrantes, há aos montes. Isso NÃO É um incentivo à bipolaridade - embora as palestras motivacionais que fazem o sejam, assim como as filosofias maníacas do estilo "The Secret" (após a não realização das fantasias "atraídas", vem a depressão, algumas vezes mascarada como ansiedade, mas sempre proporcional ao "bem estar" artificial da fase em que se acreditava poder mudar ou fazer tudo.

Também conheço muitos paranóicos e psicopatas muito inteligentes, assim como há diabéticos criativos, cantores obsessivo-compulsivos, compositores depressivos... e escritores tuberculosos! Há, por exemplo, paranóicos tão bem sucedidos que chegam a presidentes deste país aqui (dos que vêem "forças ocultas" aos maníacos d´aquilo roxo); enquanto outro mais perigoso ainda é presidente nos EUA. E porque será que nunca citam Hitler como exemplo dos paranóicos inteligentes, também? Certamente ele foi.

Não dá também para citar o critério "espiritual", pois há fenômenos espirituais legítimos, vindo de pessoas equilibradas, que nem por isso impõem sua realidade psíquica aos demais, por mais tangíveis que sejam para si próprios.

Ou seja, se há psicóticos que são médiuns (tem fenômenos paranormais reais, embora misturados com suas alucinações), há também muitos médiuns que são psicóticos (tentam que o outro aceite como real e tangível o que apenas ele percebeu internamente).

Mas há psicóticos que são principalmente doentes (a confusão mental inviabiliza a interpretação objetiva de qualquer conteúdo paranormal simbólico); e há, embora poucos, os paranormais que são apenas bons e equilibrados paranormais.

Segundo Ken Wilber, de 2 a 4% dos alegados fenômenos paranormais e mediúnicos seriam legítimos. Há quem diga que o número wilberiano seja otimista demais, pelo menos para o que observamos no Brasil (bem mais espiritualista via transe do que as populações observadas por wilber).

É bom lembrar que em poucos países do mundo a espiritualidade é tão associada a "incorporação de espíritos", mesmo nos de ampla tradição espiritual milenar. E que o fenômeno de psicofonia, embora tenha sua legitimidade em alguns poucos e ótimos médiuns, tem também semelhanças inequívocas com transes histéricos bem estudados e documentados, e que até antes de Freud, eram também lá fora atribuidos aos espíritos e demônios. No Brasil, contudo, fatores culturais o mantiveram à margem da psicologia, uma vez que se fundem com a própria religiosidade de grande parte da população.

Se por um lado os céticos achem os 2 a 4% de Wilber exagerados, pelo menos no Brasil, por outro lado os mais espiritólatras ou dependentes de transes e mensagens do além, ao saberem dessas pesquisas, em geram propõem a queima do Wilber na fogueira, por heresia e ceticismo.

Outros tentam distorcer o que Wilber teria dito até quase ele se parecer um justificador de sua visão mística particular (já vi ramatistas, espíritas e daimistas, dentre outros, criando flames por interpretações bastante pessoais e místicas da abertura transpessoal que a visão de Wilber dá).

Entretanto, notem que Ken Wilber não disse que não exista o fenômeno, nem que seja assim algo tão impossível de se encontrar: 1 sério em cada 25 a 50, sinceramente, me parece também até otimista demais no Brasil dos esquisotéricos portais pós-newage neo-ascenços via internet.

No fundo, me parece que Wilber tenha dito que o fato de haver Wagner Borges cotidianos ou mesmo Mestres Maiores por aí não legitima a viagem de muitos (muitos mesmo) que, por respeito "religioso" (ou clínico) evitarei agora de citar.

Se há alguns esquizofrênicos que são bons médiuns mal compreendidos, há bem mais médiuns famosos psicotizando por aí. Alguns tem programas na mídia, seus livros multiplicam a aceitação de sua patologia na sociedade; e, em geral, ganhando bem (em dinheiro, aclamação ou outro valor compensatório que sua psique demande), são bem aceitos pela sociedade que valoriza tanto a neurose e o material. O que é irônico em uns; e, em outros, intencional.


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Lázaro Freire
lazarofreire@voadores.com.br


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