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Psicosomática X Generalização - Simbolismos e equívocos da leitura corporal, de rostos e 'metafísica' (sic)
Publicado em: 04 de maio de 2007, 14:16:38  -  Lido 5930 vez(es)



Primeiro, uma introdução sobre dados simbólicos, que certamente existem; e a inviabilidade de suas generalizações:

A maioria dos voadores consegue entender que sonhos tem simbolismos, que podem ser coletivos, mas na maior parte das vezes estão em um contexto pessoal. E que por isso, "dicionários de sonhos" (sic) popularescos são ineficazes. Não faz sentido perguntar "sonhar com o tio (ou com celular) é o quê". Que tio? O que ele faz? Celular é relacionado a comunicação, mas com quem você falou ontem? Qual o seu desejo de trocar de aparelho ou de operadora?

Bater o carro na vida real também pode ser uma escolha inconsciente. Quanto pior está sua condução de vida, maior a "distração", e tome arranhões. Às vezes, batem em nós, sem termos "culpa". E por coincidência, quando estamos particularmente vulneráveis em outros campos, e não fazemos nada para mudar. Mas nem por isso toda batida de carro é um aviso.

Psicoterapia corporal é algo SÉRIO e crescente. O que exige, ética, estudo e profundidade. Para saber mais, recomendo o link:

http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/o_avanco_da_psicoterapia_corporal.html

Psicossomática também é a palavra de ordem atual. Até por definição, há simbolismos e metáforas psíquicas presentes nas somatizações. Mas isso não justifica usarmos Reich e cia para justificarmos generalizações. Façamos um MEIO TERMO, com muito DISCERNIMENTO:

Às vezes, um terapeuta "alternativo" ou médium passista ouve uma reclamação de dor na garganta, e vai logo dizendo, com ar superior e conselheiro, que a pessoa deveria "engolir menos" certas coisas. Pode até ser, há relações simbólicas, sempre. Mas há também dor de garganta, pigarro, e outras formas simbólicas de conversão. Há lugares em que há de quem der uma tossida constante numa palestra ou sala de recepção!!!

A psicosomática estuda ligações entre corpo e mente, numa visão mais holística - e realista - do que somos. Sabemos que há CONVERSÕES, doenças psicossomáticas... e SOMATIZAÇÕES (transtornos via simbolismo físico).

http://www.psiqweb.med.br/somato.html
http://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/atu2_01.htm
http://www.psiqweb.med.br/dsm/somato2.html

Em geral, a psicossomática nos mostra que as causas são mais COMPLEXAS e integradas do que médicos e psicanalistas acreditavamos isoladamente. Sugerem uma multi ou ínter-disciplinaridade, um maior estudo do campo do outro. Exatamente o contrário do "diagnóstico" generalizado fast-food, mesmo quando baseado em possibilidades reais.

A questão é que, assim como em um sonho a relação entre "celular" e "comunicação" não é um para um bidirecional; no corpo, também, não. Raiva pode afetar o estômago (ou chacra umbilical, para espiritualistas), por motivos óbvios. Mas nem toda raiva afeta algo do físico; das que afetam, nem todas atacarão O ESTÔMAGO; destas, nem todas APENAS ao estômago. E se a raiva estiver relacionada a algo mal digerido, uma somatização não poderia se dar por vômito? E se isso tiver eco na questão sexual, onde e como se dará o mecanismo de jogar a energia psíquica para o corpo? Além do mais, será que apenas raiva afeta o estômago?

Vi verdadeiros absurdos em ALGUMAS tabelas de "metafísica" (sic) ou "causas emocionais para doenças". Todas elas embasadas sim em possibilidades metafóricas reais e estudáveis, mas em geral comentendo o erro (intencional e comercial) de generalizar as probabilidades, e com isso criar uma neo-ciência... Ou mais um "produto" de "formação" para extorquir os, digamos, "investimentos" de futuros, digamos, "profissionais".

Ou seja, se alguém diz que emoções reprimidas PODEM SER uma das causas de câncer, ótimo. É sensato, empírico, observador. Se um terapeuta holístico usa disso TAMBÈM, com ética e critério, e se fundamenta em Reich, medicina chinesa, psicossomática, etc, melhor ainda. Tem sua razão de ser. Mas se dão um pseudo-diagnóstico - como já vi - que câncer "É" reprimir emoções, que a pessoa tal É assim porque tem rosto tal, que a dor nos joelhos É problema emocional tal, alto lá. Se há algo de que não precisamos MAIS em nossa sociedade é de pré-conceitos, esquisoterismo, curandeirismos baratos e generalizações.

Pobre psicossomática, pobre Reich. Quando mal utilizados, infelizmente os sistemas de leitura mais genéricos são tão sérios e profundos quanto os caderninhos de significado de sonhos. Tem seu fundamento, é claro, e apontam condições GERAIS. Como dito pelo Mac, "tem a ver" com aquilo, o que não significa "ser aquilo". Mas não podem ser usados jamais como tábua de tradução um para um. E muito menos para análise gratuita de quem aparece em nossa frente, o que seria tão leviano, pré-conceituoso e sem sentido quanto dizer que toda mulher com risada alta e tom de voz vulgar é prostituta, ou todo homem com trejeitos mais delicados é gay. Embora, fato estatístico estudado, muitas prostitutas e gays (nem todos, aliás) apresentem-se (simbolicamente) assim. Assim como "sonhar com isso", não é um para um. Pode até ser levado em consideração, como ferramenta auxiliar de pesquisa séria. Mas penso que se não for utilizado em conjunto com ferramentas realmente sérias / acadêmicas para lidar / confirmar a informação, melhor nem serem usadas.

Infelizmente, tenho visto generalizações gratuitas em nome da "metafísica" (sic), linguagem do corpo e outros estudos. Curioso que, muitas vezes, os livros até advertem que são só subestratos estatísticos, ferramentas AUXILIARES. Mas a tentação de fazermos uma "leitura mágica" de quem aparece em nossa frente às vezes é maior. O que me pergunto é que analista faria diagnósticos "fast food" de alguém em poucos minutos, a partir de generalizações; o que isso poderia acrescentar para a pessoa que ela já não soubesse; e pior, o que poderia acrescentar à pessoa que ela ainda não tivesse, mas que passasse a acreditar e se identificar a partir da observação de alguém com "tanto poder", que a deixou "nua" praticamente observando apenas seu rosto ao entrar em um lugar que NEM SEMPRE é um consultório onde estão só os dois?

Outra questão em favor da leitura de rostos como técnica AUXILIAR é que TODOS NÓS fazemos escolhas inconscientes com grande precisão, repetindo padrões aparentemente impossíveis de detectar. Ora, assim como na generalização de trejeitos de (alguns) homossexuais, dos quais a sabedoria (ou preconceito) popular conseguiu razoável documentação, PODE SER que vários outros sinais (alcolismo, dependência emocional, narcisismo, bipolaridade, viver de aparências, aproveitar-se demais dos outros, ciumes, depressão, dentre mil outras possibilidades) deixem mesmo POSSIBILIDADE de marcas estatísticas em trejeitos, piscadas, posição de olhar que nem notamos, mas que comparamos sem saber, gerando uma "identificação" com pessoas que repetem (ou negam) nossos padrões.

Ora, alguém pode fazer uma estatística disso, de modo que "olhos treinados" consigam ver informações onde outros não percebem. Consigo notar alguém em surto maníaco após poucas falas, e também noto um olhar vago diferenciado em quem tem tendências psicóticas OU foi usuário prolongado de certas drogas (que também induzem excesso de dopamina, exatamente como a esquizofrenia). O que não posso é achar que todo olhar que me lembre aquele (ou formato de rosto, ou postura corporal) indique um psicótico ou um usuário de drogas. Nem usar levianamente ferramentas generalizadoras de DIAGNÓSTICO como se fossem uma técnica em si... ou um truque esotérico de salão.

Em psicanálise, às vezes chegamos ao FATO. Um paciente meu, senhor idoso japonês, repleto de sintomas físicos, me foi indicado por um médico. Ele veio sob protestos, suas dores eram reais. Acabei identificando uma fobia de escuro que nunca havia confessado aos seus - educação nipônica de outros tempos. Depois de me falar ter pais muito velhos, e criado entre irmãos, pesquisei o SIMBOLISMO de escuro (apesar do medo ser real), ele lembrou de imagens religiosas cristãs. Mais tarde, ele as associou a cemitérios. E antes, havia comentado que duas irmãs mais velhas morreram cedo. Pesquisando não o fato, mas o simbólico, ele acabou se "lembrando" de algo que escondia de si mesmo, e que ninguém, nem sua esposa, jamais souberam. A pessoa que dizia - para si e para todos - ser sua irmã mais velha era na verdade sua tia... E não havia morrido de doença, mas sim se suicidado, devido à educação rígida demais do pai "deles". Que na verdade, era avô dele, e não o pai. E então, lembrou que a outra "irmã" que "morrera" era na verdade sua mãe. Com a educação por demais rígida do avô dele (que o criou depois como "pai"), ela não pode morar com o companheiro de quem engravidara, não podia assumir seu filho como tal, foi excluída do convívio, e suicidou-se poucos anos depois.

Pois bem, chegamos ao FATO. Mas porque um fato desse cria medo de ESCURO, e não outra fobia? Nesse momento, preciso identificar o SIMBOLISMO de escuro para ele. Abandono? Rigidez? Só então a cura (definitiva) virá.

O mesmo se aplica à pseudo-psicosomática generalizadora, do tipo "um para um", onde causas "psicológicas" (sic) de doenças físicas tem tanta chance de acertar quanto "o grande livro caudeu e mágico de significado dos sonhos". Somatização de sintomas, certamente há. Também há, concordo, símbolos que são escolhidos coletivamente mais vezes para situações análogas (seja em imagens de sonhos como "água" para emoções e "dente" para perdas; seja em sintomas simbólicos como "garganta" para calar, ou "pés" para o caminha). Como no caso de meu paciente, a generalização só conduz ao erro (ou PRÉ-conceito, literalmente), e o simbolismo, por mais coletivo que seja (medo de escuro=abandono infantil) só passa a fazer sentido quando analizado SERIAMENTE dentro de um contexto particular. Até porque, a cura só pode vir quando chegamos não ao fato, mas ao simbólo correto e sua transformação - evidentemente, individual.

Lázaro Freire
http://www.voadores.com.br/lazaro
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Lázaro Freire
lazarofreire@voadores.com.br


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