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CONTO: 100 maneiras de matar uma projetora
Publicado em: 04 de setembro de 2006, 16:25:07  -  Lido 3017 vez(es)

Cem maneiras de matar uma projetora

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Anton, o Pequeno, começou a ter as visões na mesma semana em que enforcaram o druida. Sim, o corpo do velho pecador ainda apodrecia, balançando em lentos círculos na ponta da corda que o carrasco havia amarrado à travessa central do cadafalso, alguns dias antes. Anton, junto à multidão, vira com seus próprios olhos o momento em que o carrasco abrira de um só golpe o alçapão sob os pés do druida, fazendo-o precipitar-se no vazio da eternidade. E vira confirmar-se, horrorizado, a crença popular que dizia que os enforcados têm uma última e violenta ereção, no momento em que o nó da corda, estreitado pelo próprio peso do corpo que cai, se lhes aperta inexoravelmente o pescoço.

Não... não está bom. Já comecei errado... É para ser uma história passada em tempos antigos, que fale de projeção astral - não de visões... E esse negócio de ereção violenta pode escandalizar um pouco minhas leitoras... (segundo os parcos feedbacks que recebo de vez em quando, sou mais lido por elas do que pelos homens, e assim é preciso agradá-las um pouco...) Ok. Nada de druidas. Nem de varões. Vou enforcar uma feiticeira. Isto. Assim minhas leitoras se identificam com a bruxinha, e a coisa toda fica com mais appeal... Isso... E não vou enforcar, não. Já que é bruxa, vou queimá-la na fogueira.

E já que não tem druida na história, não precisa ser na Gália. Pode ser numa vila italiana medieval, à beira de um vulcão. Isso aí. Vamos queimar uma bela 'strega' siciliana...

Andiamo, ragazza... Para il fuoco!

Mas já que tem o vulcão, pra que perder tempo armando fogueira, etc. e tal? Vamos jogá-la direto no vulcão, e acabar logo com a coisa...
Aquele fascinante e tremebundo inferno de lavas e labaredas, a jovem com as mãos amarradas às costas, caminhando sobre uma prancha que a levará à demoníaca fornalha que ruge e crepita no meio da imensa cratera...

Andar na prancha... feito um pirata... Bem, se é assim, é melhor então fazer a coisa num navio... num galeão espanhol... Isto... É só arranjar um nome bem comprido e aristocrático para a heroína - Maria de Carmen Acuña y Acevedo - esse soa bem...

De olhos vendados, Isabel de Echeverria y Andujar caminhava impávida pela prancha, em direção ao negrume das águas do Mar de Sargaços...

Camiñaba por la calle, arriba, abajo.... parece letra de tango...

Não. Nada de espanholas milongueiras. E pensando bem, não é preciso buscar recursos no passado, quando temos fontes de violência muito melhores, aqui no presente mesmo.

Podemos jogá-la nos trilhos do metrô, evocar uma bala perdida... E ela pode simplesmente se chamar Ângela, Marisa ou Carol, como todo mundo.

E para que, mesmo?

Tá vendo? Agora nem sei mais porque eu precisava matar a Ângela Marisa Carol, nesta história...

Será que não era melhor fazer a moça apenas se projetar numa doce viagem de sonho, encontrar sua outra metade (o Nando Bruno Henrique) e daí os dois acabariam sendo apresentados depois, no mundo físico, e se lembrariam daquele primeiro encontro astral e aí ficariam por um tempão olhando-se nos olhos, embevecidos, sabendo que sempre haviam sido um só?

Sim... e no encontro lembrariam também que já se conheciam de várias encarnações atrás, desde quando ele era um druida celta sempre rijo, e ela uma princesa hispano-italiana - boa moça, mas meio dada a pequenas feitiçarias...


Bene
Janeiro 2005


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